habitações (primeira parte)

20 faces (2007)
ilustrações em bic

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(em construção)

Eu habito
ou habitam em mim
tigres obstados, templos,
reisados, fantasias
de mares e além?

Eu habito
ou habitam-me
os sonhos alados, cidades à deriva,
precárias instalações e
remotas ancestralidades?

Eu habito
ou habitam-me
os estados, os deslizes,
os triunfos,
as barricadas
nas estalagens da alma?

Eu habito
ou habitam-me
as estradas,
os tecidos,
os arcos
e os naufrágios?

Eu habito,
por simples habitar ou
querer?
Por força do hábito ou
de profundos questionamentos?

E quem me habita
encontra espaço
nesse convívio?

Há um quarto, uma instância,
um risco de sobra no charque
ou uma cavidade mais angulosa
em que caiba este outro
que em mim habita?

Na promissora habitação
ainda vagam ao relento
os sonhos e os odores
das primeiras viagens
as mesmas indescritíveis paisagens
os mesmos sóis e vertigens,
as mesmas ilhargas e as
mesmas bolhas de sabão
a confrontar o ar.

Vagam, os mesmos gestos tímidos,
os rubores e as investidas
contra o tempo que se construía
lentamente no horizonte dos
relacionamentos. Os mesmos copos
vazios, os cinzeiros repletos e a alma
embriagada pela incerteza
das manhãs vizinhas.

Perambulam, entre escombros
e avenidas, malas, bagagens tardias,
arrastadas às correntes dos apegos,
vaidades e antigas caligrafias.
Feito linhas, desfiadas em cordões
de ruidosas melodias, estridentes,
rompíveis, desequilibrados.

E se perdem, nestas mesmas habitações
pelas ruas e pelos prados, pelos campos
de risíveis vastidões e atingem, erodidas,
o oceano dos contentamentos? Submergem?
Ou mesclam-se à superfície rasa de brilhos
e reflexos? Os peixes que habitam
essa sedimentada região, não se afligem
diante do mar-monturo?

Esses habitáveis caminhos que
em mim caminham, porventura
não se fecham em estradas circulares?
E os morros atravessados não se
fundem todos na mesma planície
irregular que piso? A mesma face,
de tantos segredos, não guarda senão
uma mesma chave?

Em mim habitam a solidão e o amor.

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