10 outubro 2006

o edifício - contos rápidos



I.
quase-silêncio
ou

o silêncio dos edifícios morais


Posso intuir alguma coisa sobre este edifício e sua fachada, suas janelas, sombras e moradores, seus meandros, escadarias, elevadores, seus encontros, chegadas e saídas, luzes que acendem e apagam com certa sincronia, até que, certo momento, quando todos parecem dormir, alguma janela é iluminada, flutuando sobre a fachada enegrecida e onde sombras povoam as paredes e cortinas para em seguida, retornarem à madrugada – é, não há de ser nada, diria um dos moradores –, mas, sem embargo, nos quase silêncios que permeiam seu interior às horas improváveis de florescimento da aurora, alguém retorna, deixa o cadillac no estacionamento e se escutam apenas o elevador, seguido por tropeços e uma gargalhada abafada, depois, a chave e a maçaneta girando, os trincos tornando a passagem possível e assim, de novo, silêncio, perdão: – quase silêncio; e alguém resolve levantar-se para tomar um copo d'água e desperta o vizinho que dorme no sofá na sala de estar ao lado para, ao deitar-se sobre o travesseiro, dá início aos pensamentos do dia e às preocupações que tornam, desde então, a madrugada difícil e nublada; e o rapaz que acordou repentino sente a pulsação arrefecer com o fim do pesadelo que o espreitava segundos atrás e deixa mentalmente o cenário nefasto de lado para pensar na namorada que viajara para naquele dia. enquanto isso, o zelador passeia garboso pelos carros no estacionamento, estanca diante do cadillac imaginando o que é dirigir e possuir um veículo daqueles...... o edifício, de fora silente – eu gostaria que não tivéssemos tantos jovens barulhentos por aqui, insinuaria uma moradora antiga –, permanece intacto aos olhos que o contemplam do outro lado da rua, do alto do 15° andar de outro edifício que, nesse instante, é surpreeendido pela mulher, que adentra o quarto após ter ido ao banheiro e despe-se da camisola para deitar-se nua, com as janelas abertas, sob o grande olho lunar, na rua, enfim, em silêncio.

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