26 agosto 2006

estórias



foto: o mistério, colagem - fabio issao (2005)



o filme começa quando ainda pousamos sobre os apertados bancos de veludo rubros que o cinema antigo ostenta como patrimônio de tradição e olvido. mal olhamos para a tela – ida a primeira cena, deparamo-nos com um rosto oblíquo e seu olhar entrevendo pela fresta da janela um outro olhar, olhar este que encontra e resgata o olhar perdido dentro da casa. dali, os dois olhares seguem mútuos, simultâneos e ávidos de deitar-se, acomodar-se no olhar do outro antes que, as janelas e suas extensões litorâneas findem nas fronteiras das paredes da casa vizinha. da rua, o olhar externo parece ter encontrado no quadro pendente na parede ao fundo da sala, a razão de estar ali, ao procurar os olhos de dentro. nas pinceladas rápidas e expressivas, tintas e cores sobrepostas, ela percebe o brilho do olhar, há muito perdido ou deixado em algum outro quadro que figurava, coberto de pó, na sala esquecida de sua memória. as duas salas, em confronto, entreolham-se e procuram os sete erros e as sete diferenças entre as obras que nelas residem. percebem, além da diferença de idade e da espessura do pó, que os quadros são idênticos – como acontecesse de dois artistas distintos receberem em suas mãos as formas e sensações duma paisagem peculiar. a sala esquecida entoa ao olhar externo a semelhança entre os quadros: presente e passado informando ao pé do ouvido, que poderia tratar-se somente de um
dejá vù. a sensação que o olhor externo adquire ao ouvir a confissão da sala é, por sua vez, a mesma ao contemplar os olhos internos, que nada oferecem e nada pedem ou ocultam. trata-se de um misterioso ambiente, sem nome ou geografia, sem registro ou memória, tal qual é a sala em que vive o olho interno e a sala de que recorda o olho externo, um lugar ausente de matéria, permeado exclusivamente pelos sentidos de vida, morte, saudade, amor, sentidos que ficam e nunca mais deixam o lugar inabitado. os olhares, enfim reconhecem a origem nas mesmas trevas e o sentido das mesmas luzes e, por um breve estancar no tempo do relógio do mundo e das máquinas e dos pensamentos, confessam-se solidários, participantes de um mesmo movimento vital.


.

Nenhum comentário: