os brutos e os indiferentes

A brutalidade que nos cerca guarda, no íntimo, uma insuperada condição de tolhimento dos sentimentos. Com ela, aponta-se, através de ações ditas brutas, ou brutais, o caminho reverso de quem guarda consigo um excesso de sensibilidades recolhidas, guardadas sob chaves de insondável desarranjo e que, à medida que o tempo avança, perde-se a origem e as possíveis soluções para o desaflorar desse sedimentado fundo de rio. Há, nas atitudes brutais a requisição perene de respostas também brutais — de outra forma, a máxima do fogo contra fogo estaria superada há milênios; todavia, existem reações adversas: os que se calam, absorvendo nas entranhas os insultos à natureza humana, e que pouco fazem senão optar pelo remoto esquecimento e, nesse sentido, trocando o mal por alguma espécie de bem que lhes ofereça conforto ou a chave desse esquecimento, perseveram alimentando o caminho da indiferença social — diga-se, indiferença esta tão ofensiva quanto a brutalidade; e há aqueles que, poucos dentre os homens, absorvem a condição humana, tendo, à princípio a opção pelo esquecimento, mas que, ao longo da vivência, asquiescem sobre a inferioridade do indiferente e do bruto, e passam a ver os últimos de maneira distinta, conservando-lhes respeito às inseguranças entrevistas e sondando as sensíveis tramas submergidas. Nesse ponto, não raro contemplam, como sábios, os dois lados da mesma moeda, sem tomar partido e sem sentir a necessidade de tal obrigação. Percebem, entrementes o pensamento e a ação propriamente dita, a singularidade da vida, pacientemente talhada no diálogo das contradições. Assim, a brutalidade anula-se por si própria, como um motor que revê, a cada milha percorrida, o trajeto e o desgaste, os recursos restantes e as provisões futuras, sem, no entanto, parar de rodar. A brutalidade assim poderia, conter na descrição do seu verbete, a metáfora um dia vislumbrada por alguém que, por acaso, ironia ou supra-consciência deixou de registrá-la: a brutalidade é um pântano de sensibilidades.