09 agosto 2007

da vida, por hesse




Que a vida é difícil de viver-se, isso, de vez em quando, eu já havia obscuramente sentido antes. Agora, tinha novos motivos para refletir no caso. Até hoje, nunca mais perdi o sentimento da contradição enraizada naquele reconhecimento. Porque minha vida foi pobre e penosa e, no entanto, afigura-se a outros e, por vezes, a mim mesmo, rica e esplêndida. Considero a vida humana como uma noite profunda e triste, que não se suportaria, se, num ponto ou noutro, não rutilassem repentinos clarões, de uma luminosidade tão consoladora e maravilhosa, que seus segundos podem apagar e justificar anos de escuridão.

A escuridão, a treva desconsolada é o ciclo da vida cotidiana. Para que nos levantamos de manhã, comemos, bebemos e voltamos a deitar-nos? A criança, o selvagem, o jovem sadio, o animal, não sofrem com esse ciclo de coisas e atividades indiferentes. Quem não padece do mal de pensar, alegra-se com levantar-se de manhã e comer e beber, acha-o de tudo suficiente e não quer de outra maneira. Mas quem perdeu a sensação da naturalidade disso tudo, procura, no transcurso do dia, ávido e atento, os momentos de verdadeira vida, cujo subitâneo relampejar nos torna ditosos e apaga o sentimento do tempo, juntamente com todos os pensamentos sobre o sentido e a finalidade do todo. Podem chamar-se, esses, os momentos criadores, porque parecem trazer em seu bojo o sentimento de unificação com o Criador, porque, neles, todas as coisas, inclusas aquelas que, noutras vezes, parecem fortuitas, são percebidas como determinadas pela sua vontade. É o mesmo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a deslumbrante luz desses momentos, o que faz parecer tão escuro tudo o mais, talvez provenha da mágica leveza e do etéreo deleite desses momentos, que o resto da existência pareça tão pesado e peganhento e opressivo. Não sei; pensar, filosofar, nunca foi o meu forte. Mas uma coisa eu sei: se existem uma bem-aventurança e um paraíso, só podem consistir na imperturbada duração desses momentos; e, se tal bem-aventurança pode alcançar-se somente mediante o sofrimento e a purificação pela dor, nenhuma dor ou sofrimento é tão grande, que dele se deva fugir.


Herman Hesse, in Gertrud (Cap. XI, pgs. 111-112)



2 comentários:

Anônimo disse...

...a vida, Senhor Visconde, é um pisca - pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
pisca e mama;
pisca e anda;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim, pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

Anônimo disse...

dos repentinos clarões: "Why is life worth living? It's a very good question. Um... Well, There are certain things I guess that make it worthwhile. uh... Like what... okay... um... For me, uh... ooh... I would say... what, Groucho Marx, to name one thing... uh... um... and Wilie Mays... and um... the 2nd movement of the Jupiter Symphony... and um... Louis Armstrong, recording of Potato Head Blues... um... Swedish movies, naturally... Sentimental Education by Flaubert... uh... Marlon Brando, Frank Sinatra... um... those incredible Apples and Pears by Cezanne... uh... the crabs at Sam Wo's... uh... Tracy's face...""