05 maio 2007

o corredor




Somos estreitos, eu e esse corredor. Ele que foi erguido no vão mínimo ligando a sala à biblioteca, alonga-se da sombra à luz vazante da porta de guarnições literárias. Eu, porque sinto um tremor cada vez que atravesso seus desvãos. É como palmilhar um labirinto onde as paredes assomam com suas profundas sombras revelando os mistérios do tempo, nos pequenos estalidos que espocam do assoalho de tábuas corridas e nos improváveis grãos de indizível matéria que parecem flutuar na atmosfera desse corredor. Parecem, mas nunca se sabe realmente se esses grãos existem ou não. São indissociáveis da sensação de tremor. E da memória da criança também. Aquele medo que é fundido com uma cena ruim, que por sua vez traz consigo uma outra sensação ruim. E tudo se transforma numa coisa só. Sólida com um pensamento. Entretanto, atravessá-lo é embarcar numa pequena viagem fantástica, ao andar envolto dessa poeira de medos sob o desígnio das formas que se esgueiram sorrateiramente nas sombras. Dura pouco, menos de um minuto é suficiente para alcançar a luz no fim do túnel, mas, ali, é possível se perder para sempre. Ao menos, é a sensação que fica depois do alívio da chegada. De que nesse intermédio poderíamos flanar pela eternidade, entre os mais enegrecidos subterfúgios mentais. No escuro, perdemos a sensação da matéria por um pequeno instante, pois nos resta o contraste do que buscam os olhos e do que é possível enxergar nas sombras. É suspender a altivez da sala de estar — iluminada pela tenra luz do dia, e vagar silenciosamente por um caminho em que as mais remotas inseguranças nos tomam de assalto, para nos devolver ao conforto dessa biblioteca. Repletos de medo ou não, prosseguimos; avançamos lenta e secretamente no escuro, como se fosse a derradeira missão na vida. Avançar; deixar para trás os medos, os pensamentos sombrios. Avançamos, mas... para onde mesmo é que íamos? Qual era mesmo o lugar a que nos destinávamos há alguns segundos atrás? Se a biblioteca pudesse encerrar nossos sonhos nas estantes, alinhados entre nomes clássicos e memoráveis, que diferença haveria em atravessar esse corredor tão estreito, que nos comprime entre nossas aflições e desejos? Haveria, nessa passagem, um momento de insólita vertigem anímica? Ou de um heroísmo recôndito daquele que perpassa as trevas e ganha a luz? Não. Creio que nossos pensamentos, quando encaram corredores estreitos como esse, recolhem-se para que seja possível a passagem, evitando que fiquemos obstados, presos entre as paredes, sufocados de tanto ego. E assim, ganhamos, com o direito reservado àqueles que abrigam em si uma nota de humildade, a sala dos saberes, das complexas filosofias e dos imortais questionamentos. Enfim, superamos um bocado de ignorância a cada passo dado em direção à escuridão dos próprios pensamentos.



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