diário 13.04: sobre o tom
Ontem conheci o Tom, ou melhor, Atom Abdu Oliveira Dantas, nascido em 1945, filho de uma nordestina e de um comerciante árabe, numa casa de antiguidades em que ele comercializa e aluga peças raras, utensílios domésticos, tvs, rádios e geladeiras. Contou-me que sua vocação é pra poesia, mas que só escreve quando sente o vento da inspiração tocar-lhe os sentidos, ou quando é tocado pelos fatos, por mais improváveis que eles possam parecer, como o poema que escreveu sobre a morte do cantor Leandro, da dupla sertaneja, apesar de nunca ter lhe interessado a música do artista goiano, embora, de Goiás ele conheça muito, sabe de cor poemas de Cora Coralina, que alterna entre os versos de Camões, a auto-psicografia de Pessoa e as quadras de poetas e repentistas nordestinos de São José do Egito (Sertão de Pernambuco), cidade na qual se casou com a mulher que o acompanha até hoje. Poeta por vocação ou encantamento, alimenta-se de história (brasileira, de preferência) e com ela convive todos os dias, quando lota a caçamba de sua caminhonete para levar parte do seu acervo às mais diversas feiras da cidade. Seu Tom, como prefere ser chamado, nasceu no Rio Grande do Sul, exilou-se na Europa nos tempos da ditadura e de lá trouxe consigo sua primeira obra, não-publicada, que considera ultrapassada, por verter-se num confronto direto com o militarismo brasileiro. Foi preso algumas vezes — perdeu a conta, ou prefere não lembrar, como proclama vez em quando no meio de suas longas sentenças – e expulso de colégios e seminários quando ainda era estudante, mas conseguiu manter o bico calado e a diplomacia na sua festa de casamento, quando muitos políticos importantes do nordeste foram convidados pela família nobre de sua mãe a comparecer à cerimônia. Nessa mesma festa fez o sogro entornar goela abaixo litros e litros do aguardente local pela primeira vez e ali mesmo pode convencê-lo de que a vida às vezes precisa dum trago para amainar a mente e recuperar a paz. Ele mesmo confessa que abandonou o álcool, hoje gosta mesmo é de uma boa prosa e de ler os milhares de livros que pendem nas estantes da biblioteca de sua casa, na represa de Guarapiranga. Seu antiquário fica numa garagem na Vila Madalena, bairro por que ele nutre um apego muito forte, pois está sempre a se deparar com pessoas com quem pode compartilhar suas idéias sobre política, filosofia e, claro, poesia. Em seus claros e atípicos ensinamentos, pode-se resgatar preciosidades como "sou um ocidental orientado" ou, "porque sei pouco", quando uma pregadora cristã lhe perguntou o motivo de ter tantos livros na estante e, "jesus cristo", resposta à pergunta de uma engajada militante argentina num fórum social que desejou saber quem fora, para ele, "homem culto e informado", a figura mais inteligente do mundo e, logicamente, abandonou a entrevista algo decepcionada. Mas, segundo o próprio, seu interesse permanece vasto pelo conhecimento e por isso abandonou os radicalismos da mocidade e dedica-se todos os dias a entender melhor a vida de seus dois maiores ídolos: Ghandi e Churchill. Pois é, seu Tom, diante de um homem como o senhor, só me resta tirar o invisível chapéu que trago nos pensamentos e agradecê-lo, por existir aqui, tão perto.
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a coincidência do dia foi ter chegado em casa e, ao ligar a tv, me confrontar com o massacre dos armênios pelos turcos retratado no filme Ararat (2002), de um certo diretor chamado: Atom Egoyan. Filme belíssimo, por sinal, que tinha desistido de assistir por estar há algum tempo decepcionado com a obra do diretor, que em certo momento nos trouxe a tona o fabuloso Exotica (1994) e O Doce Amanhã (1997).
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