11 abril 2007

a consciência do fazer, por amilcar de castro

d.80, ferro - 100x220x210x5 - Coleção do Artista
foto:
Rômulo Fialdini



...

Ser é essência.
A existência existe de graça.

O homem e as coisas existem de graça.
Um não existe sem o outro.

Eu sou porque ela é.
Ela é porque eu sou.
Somos de graça.
A superfície está em branco.
Eu também.

Se com um gesto a toco,
eu sou tocado.

É quando tem início um diálogo
do qual sou a única testemunha
que jamais poderá mentir.

Só o tempo mostra perseverando.
O silêncio do caminho mais simples.
Quando o homem pode ouvir seu ritmo.
O único necessário.
Fundamento e descoberta do mundo.
E de si mesmo.

Este é o dever de uma Escola de Belas Artes.
Ensinar a descoberta do homem natural
e dar-lhe a consciência do fazer.
De descobrir de novo a realidade
dando forma a seus sentimentos
muito antes que qualquer belas artes.

Dar-lhe consciência que a realidade é uma intuição
não pelas palavras, mas pelas formas.

Que a vida, sendo finita, obriga o homem à metáfora.

Que o fazer — é perguntar por quê,
e o perservar — é responder.
Que o ensinar é mostrar a direção das perguntas.

Como o vôo do pássaro
faz um desenho no ar,
o pensamento no reino sem palavras.



Amilcar de Castro (1920-2002) – junho/1981.
» ver o site do artista


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poucas vezes me senti tão tocado como ao encontrar este poema, ou melhor, a sabedoria sobre a simplicidade das coisas e do homem, sobre o caminho do artista na sua improvável lavra de conhecimentos e experiências que superem aquelas que acumula em sua já excedida bagagem. "que a vida, sendo finita, obriga o homem à metáfora" é possivelmente a razão para estarmos aqui, acomodados entre nossos escombros e a precariedade de nossos corpos e, exatamente nesse vão, que é o existir, onde possamos recuperar a leveza que nos aproximará daquilo que alimenta nosso espírito: que através da arte, possamos voar e trazer o vôo possível para quem a contempla e absorve.



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