Fundação da Ilha - Canto I (cont.)
III.
E depois das infensas geografias
e do vento indo e vindo nos rosais
e das pedras dormidas e das ramas
e das aves nos ninhos intencionais
e dos sumos maduros e das chuvas
e das coisas contidas nessas coisas
refletidas nas faces dos espelhos
sete vezes por sete renegados,
reiventamos o mar com seus colombos,
e as ondas envolvendo o peixe, e o peixe
(ó misterioso ser assinalado,)
com linguagem dos livros ignorada;
reinventamos o mar para essa ilha
que possui "cabos-não" a ser dobrados
e terras e brasis com boa aguada
para as naves que vão para o oriente.
E demos esse mar às travessias
e aos mapas-múndi sempre inacabados;
e criamos o convés e o marinheiro
e em torno ao marinheiro a lenda esquiva
que ele quer povoar com seus selvagens.
Empreendemos com a ajuda dos acasos
as travessias nunca projetadas,
sem roteiros, sem mapas e astrolábios
e sem carta a El-Rei contando a viagem.
Bastam velas e dados de jogar
e o salitre nas vigas e o agiológio,
e a fé ardendo em claro, nas bandeiras.
O mais: A meia quilha entre os nufrágios
que tão bastantes varram os pavores.
O mais: Esse farol com o feixe largo
que tão unido varre a embarcação.
Eis o mar: era morto e renasceu.
Eis o mar: era pródigo e o encontrei.
Sua voz? Ó que voz convalescida!
Que lamúrias tão fortes nessas gáveas!
Que coqueiros gemendos em suas palmas!
Que chegar de luares e de redes!
Contemos uma história. Mas que história?
A história mal-dormida de uma viagem.
– Jorge de Lima
Fundação da Ilha ( canto I) - A Invenção de Orfeu
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